Cidade de Deus: A Luta Não Para é uma série da HBO que mergulha no coração das favelas brasileiras, explorando as mazelas sociais e a eterna luta por sobrevivência e dignidade.
A série, sequência do icônico filme de 2002, Cidade de Deus, oferece um retrato sensível e, ao mesmo tempo, brutal da realidade, equilibrando ficção com fortes reflexões sociais.
Neste artigo, vamos falar sobre como a série explora as mazelas de um segmento social, ao mesmo tempo em que retrata um Brasil que, infelizmente, ainda conversa com os dias atuais.
(Contém spoilers)
A nota para Cidade de Deus: A Luta Não Para é 8
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O Povo Brasileiro
O que define o povo brasileiro? O cafézinho de manhã e no meio da tarde? A feijoada aos domingos? A roda de samba, a saudosa MPB. A eterna luta por sobrevivência em um país de desigualdades, ou o sorriso ad eternum que nos assombra por toda a vida, mesmo diante das mais temerosas adversidades?
Difícil dizer, povo brasileiro é único, cultura e socialmente falando, e qualquer tentativa de rotulá-lo como uma coisa ou outra não será 100% acurada. É a partir dessa singularidade brasileira que o diretor, Aly Muritiba, constrói sua narrativa.
Seus personagens convivem diariamente com o crime na favela carioca CDD, um público bem específico. Então, como é possível gerar identificação com suas lutas e problemas vividos?
Identificação
Na série, essa luta é representada por personagens que, apesar de seus contextos específicos, espelham as dificuldades e esperanças de muitos brasileiros.
Wilson ou Buscapé, por exemplo, é o retrato do pai trabalhador que batalha para trazer o pão de cada dia para sua família. Barbantinho sonha em transformar sua comunidade em um lugar mais seguro e politicamente relevante.
Delano e Cinthia são movidos por seu desejo de retirar as crianças e jovens das ruas, oferecendo-lhes uma alternativa ao mundo do crime com atividades extra curriculares, aulas de jiu-jitsu e música.
A série consegue gerar essa identificação ao mostrar batalhas que todos nós, em menor ou maior grau, enfrentamos ou testemunhamos.
Enredo e Roteiro
O enredo é uma clássica luta por território entre gangues rivais. O primeiro episódio presta suas homenagens ao filme ao mesmo tempo em que introduz seus personagens. Para mim, pesou um pouco o piloto, com cenas longas e desnecessárias no baile.
O que vem a seguir é uma muito bem-executada batalha por poder, representado no show pelo domínio da "boca". Há bastante tiroteio, mortes e até espaço para reflexões sociais, como quando Wilson decide parar de fotografar as mortes para focar no impacto do crime nos moradores e, acaba, sem querer, capturando a morte de um jovem morador.
"Eu procuro vida, mas acabo achando morte."
A produção é de alta qualidade, o que já era esperado vindo da casa das grandes séries dramáticas. É muito bom ver obras brasileiras recebendo esse tipo de investimento e incentivo.
A ausência de romantização do crime e da polícia é um ponto de destaque, trazendo uma visão mais realista e honesta. Há sim, passagens em que um lado ou outro é mais explorado, ou mesmo uma tentativa de humanização dos vilões, o que, narrativamente, sempre é interessante.
Tomemos, por exemplo, Delano, um policial que mora na favela e, por isso mesmo, tem uma visão mais próxima e sensível da comunidade. Bem diferente daquela de seus parceiros de farda, que enxergam os moradores como "traficantes e bandidos". Seu arco é um dos mais interessantes, é pena que tenha sido deixado de escanteio na reta final.
Tudo isso é mérito do roteiro, que espertamente divide a narrativa em vários núcleos, possibilitando explorar diversos temas e pontos de vista diferentes enquanto a história avança.
Enquanto Buscapé e Lígia investigam a "Mineira", milícia da Gardênia Azul, Bradock e Reginaldo exploram a fragilidade da Cidade de Deus através da guerra contra o tráfico.
É muito gratificante ver todos essas histórias convergindo no finale, entregando algumas respostas enquanto levanta outras para o segundo ano show. O motivo para Jerusa estar com Bradock, ou para Reginaldo ter tanto interesse na Cidade de Deus são convincentes e acrescentam camadas de complexidade ao seriado.
Personagens
O grande destaque para mim fica por conta de Thiago Martins com seu Bradock violento e psicótico. O ator da vida a um personagem conturbado e instável, capaz de executar um "soldado" na frente de uma roda de samba e pedir para que continuem a festejar.
Seu par romântico também está em perfeita sintonia. Andréia Horta interpreta Jerusa, que Waldemar chama de "Crazy". Uma mulher obstinada e manipuladora, mas que não fica somente nas sombras, como no inesperado e intenso final do primeiro episódio em que ela "passa a bala" o mensageiro de Curió, dando início ao conflito principal.
Kiko Marques representando o Secretário de Defesa Reginaldo entrega outra grande atuação. Seu personagem é frio e engenhoso, dando-nos asco até o último momento.
Marcos Palmeiras como Curió, o líder sorridente e pulso firme, bem-quisto pelos moradores, é um personagem muito interessante de acompanhar, e sua dinâmica com Thiago Martins traz bastante personalidade ao show.
Edson Oliveira também está ótimo como Barbantinho, alegre e solícito, sempre pensando no bem da comunidade. Alexandre Rodrigues fez um trabalho decente, mas senti uma certa falta de naturalidade em sua abordagem que incomodou mais do que deveria.
Pontos de Atenção
A cena do #5 episódio em que Leka canta "Rap da Felicidade" durante uma procissão (spoiler adiante) para o velório de Barbantinho é uma das melhores, se não a melhor cena da série.
O melhor do seriado está nos episódios do meio, 2, 3 e 4, que focam na batalha entre Curió e Bradock e, depois, na violenta investida da polícia como resposta às ações do novo líder da favela carioca.
Senti falta da crueldade que o filme retratou tão bem. Aqui, os personagens estão mais conscientes socialmente, o que mina um texto mais violento e provocativo. Como na cena em que Pezinho pega um menino roubando e o leva para um canto, apenas para adverti-lo.
O ritmo acelerado, sem muitas brechas para frivolidades, joga a favor na maior parte do show, no entanto, o último episódio parece correr com a narrativa, com o roteiro tomando decisões questionáveis ou pouco coerentes com o que foi construído.
O pesar de Geninho ao matar Bradock soa forçado ou raso, pois não houve desenvolvimento suficiente da relação de irmãos para que o impacto emocional seja sentido. Caberia, facilmente, mais um episódio para explorar essa e outras linhas narrativas subdesenvolvidas.
Conclusão
Mirando explorar os sonhos e anseios de uma comunidade, a série acerta ao trabalhar temas sociais mesclados a um roteiro ágil e, até certo ponto, eficiente. No entanto, desliza no último episódio, o que não invalida a experiência como um todo.
Uma produção robusta com personagens interessantes e socialmente relevantes que nos faz refletir sobre nosso país e leis.
No fundo, o que os personagens da série de Cidade de Deus querem é o que todos nós também queremos.
"Eu só quero é ser feliz!"
E aí, já assistiu à Cidade de Deus: A Luta Não Para. Para quem gosta de temática de crime, com pano de fundo nacional, é uma excelente pedida. Comente se já assistiu ou pretende assistir.