Como Gostar de Um Assassino | O Segredo de Dexter

Como é possível gostar de um assassino? Essa é a pergunta que Dexter procura responder desde o primeiro episódio.

O segredo de Dexter não está apenas na premissa chocante, mas na maneira como a série constrói seu personagem-título, fazendo com que o público se sinta intrigado e, estranhamente, atraído por ele.

Neste artigo, vamos explorar como a primeira temporada de Dexter nos envolve, debater o papel fundamental da atuação de Michael C. Hall e por que, no final, nos pegamos torcendo por um assassino.

(Contém spoilers)

A nota para a primeira temporada de Dexter é 10

Imagem de Dexter segurando uma faca com seu olhar assassino
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Lançada em 2006, com exibição no Showtime, a produção subverteu as expectativas do gênero policial ao fazer o público simpatizar com um protagonista que vive uma dupla vida: de dia, um analista forense da polícia de Miami; de noite, um serial killer que mata criminosos.

A Trama da Primeira Temporada

A primeira temporada de Dexter gira em torno de Dexter Morgan (Michael C. Hall), um analista forense especializado em padrões de sangue que trabalha para a Polícia de Miami. 

Ele também é um assassino em série, mas com um código moral: Dexter só mata pessoas que, de acordo com sua análise, merecem morrer – geralmente criminosos que escapam da justiça. 

My Name is Dexter Morgan

"My name is Dexter. Dexter Morgan. I don't know what made me the way I am, but whatever it was left a hollow place inside."

Essa simples frase carrega toda a complexidade da série, além de apresentar o tom geral do show. Dexter reflete sobre o vazio que existe dentro de si, ao mesmo tempo em que admite que não sabe a razão de ser assim. Sua vontade por matar está além de seu controle, é um desejo que precisa ser saciado.

Ao longo da temporada, nosso assassino percorre uma inusitada jornada introspectiva e emocional. Vemo-lo ser exposto à dúvidas e a um fascínio sombrio que o joga em uma torrente de emoções e frustrações.

Sua necessidade de ser sozinho e reservado é, pouco a pouco, substituída por uma vontade de criar laços, como na melancólica sequência em que Dexter decide ajudar um jovem que tem o mesmo "problema" que ele, apenas para encontrá-lo em uma poça de sangue advinda de um suicídio.

Quem é o Vilão?

A temporada introduz um dos antagonistas mais intrigantes da série, o "Assassino do Caminhão de Gelo" ou Ice Truck Killer. Um assassino em série que desmembra suas vítimas com cortes precisos, drena seu sangue e as congela, deixando a cena do crime impecável, em todos sentidos. 

O mistério em torno da identidade desse assassino é o que impulsiona a narrativa ao longo dos treze episódios. A primeira reação de Dexter ao deparar-se com o trabalho do assassino é ficar perplexo e admirado. 

Ele está diante de um perito na arte de matar. Um igual ou superior, e isso acende o desejo de Dex de conectar-se, como pessoa e indivíduo, a alguém.

A relação de Dexter com o assassino é sabiamente aprofundada: primeiro o vilão mostra que sabe que Dexter é um assassino, o que adiciona uma tensão incalculável à trama, e então o convida a uma caçada que levará ambos ao limite, até o inevitável confronto e revelações finais.

Conforme a trama avança, o público descobre uma reviravolta impressionante: o Assassino do Caminhão de Gelo é na verdade Brian Moser, irmão biológico de Dexter. 

Como Gostar de Um Assassino?

Uma das maiores surpresas ao assistir a Dexter é perceber como somos levados (e essa é a palavra, não somos forçados) a gostar de um personagem que, por definição, deveria ser desprezível.

A chave para isso está na forma como o roteiro humaniza Dexter, apresentando suas vulnerabilidades e seus dilemas internos, explorando sua relação com o mundo e com as pessoas que preenchem os seus dias.

Dexter pode ser um assassino, mas seu código de conduta o difere dos demais psicopatas. Suas vítimas não são, pelo menos até o momento, homens ou mulheres inocentes, mas sim escórias da sociedade que ele precisa limpar.

O Código de Harry

Dexter não é apenas um assassino apático. Ele segue um rigoroso código ético, implantado desde tenra idade por seu pai adotivo, Harry, e que serve como bússola moral para suas ações.

Ao longo da temporada, somos apresentados a flashbacks que revelam como Harry percebeu as tendências violentas de Dexter desde cedo e, em vez de reprimi-las, ensinou o filho a canalizá-las contra aqueles que "merecem".

Esse código cria uma justificativa que, embora moralmente questionável, faz com que vejamos Dexter como algo mais do que um monstro – ele é um vigilante com uma missão.

O código de Harry é amplamente explorado na série, a vida Dexter basicamente foi erguida sobre ele. E o ponto principal do código, talvez, seja fingir ser normal.

"People fake a lot of human interactions, but I feel like I fake them all, and I fake them very well."

Algo como, as pessoas fingem muitas emoções, mas sinto que finjo-as todas, e as finjo bem.

outro fator que nos aproxima do personagem é a narração de Dex, que nos revela suas intenções, pensamentos e desejos, como se fossemos os únicos que compartilham de seu segredo. Somos cúmplices de um assassino sem que queiramos.

I Don't Have Feelings About Anything

Dexter está sempre dizendo que finge suas emoções e que não tem sentimentos por nada nem ninguém, contudo, suas ações parecem dizer o contrário, mesmo que de fato ele não sinta nada. Esse contraste é muito bem explorado no show.

A série é feliz em nos mostrar o lado mais humano de Dexter, especialmente através de suas interações com Rita Bennett (Julie Benz), sua namorada, e Debra Morgan (Jennifer Carpenter), sua irmã adotiva.

Com Rita, Dexter explora o que significa ter uma vida normal, algo que ele mesmo reconhece não ser capaz de sentir plenamente. Ele é um namorado compreensivo e um pai  atencioso.

Já com Debra, a dinâmica de proteção e lealdade familiar cria um vínculo emocional forte que aprofunda ainda mais o personagem. Dexter está sempre tentando ajudar a irmã com dicas através de sua "intuição" para assassinos.

Essa relação é explorada e posta em cheque quando os interesses de Dexter na investigação do Assassino do Caminhão de Gelo vão de encontro as ambições de Debra.

O Segredo de Dexter

O segredo de Dexter não está apenas na construção de seu personagem, mas também na atuação magistral de Michael C. Hall.

Ele interpreta Dexter com uma complexidade fascinante, com trejeitos, maneirismos e umas caretas bem bacanas. Alternando entre um comportamento frio e metódico e momentos de genuína vulnerabilidade, é assim que Dexter nos ganha.

É certo que seu papel como o diretor de funerária David Fisher, na lendária Six Feet Under, o ajudou a entender e interpretar Dexter, já que ambos lidam com a morte, embora, de formas distintas.

A atuação de Michael é fundamental para que possamos simpatizar com Dexter, mesmo sabendo de sua vida de crimes e assassinatos. Seu personagem é tão bem construído que acabamos torcendo por ele.

Morgans

O roteiro também desempenha um papel crucial ao equilibrar o suspense e o humor negro, permitindo que o público se conecte com Dexter de uma forma única. 

O tom da série é sombrio, mas há momentos de introspecção e até ironia na narrativa, que tornam a experiência de assistir à série profundamente envolvente e, até, por que não, viciante. 

As reflexões internas de Dexter, muitas vezes narradas por ele mesmo, dão uma visão íntima de seus pensamentos e dilemas, oferecendo uma perspectiva que raramente temos em personagens desse tipo.

A relação entre Dexter e Debra Morgan é um dos pilares emocionais mais fortes da série, e essa dinâmica se torna ainda mais complexa à medida que a trama da primeira temporada se desenrola. 

Embora Dexter e Debra não sejam irmãos biológicos, o vínculo entre eles é extremamente profundo, marcado por um senso de proteção e lealdade incondicionais.

A Lealdade de Dexter por Debra

Desde cedo, Dexter se vê como o protetor de Debra, algo reforçado pelo fato de Harry manter a garota afastada de suas viagens entre pais e filhos, guardando a sete chaves o segredo de Dexter.

Debra foi criada para se manter afastada do perigo, mas, no fim, o que acontece é o oposto, já que ela segue a carreira do pai.

Mesmo afirmando ser incapaz de sentir emoções verdadeiras, Dexter constantemente demonstra seu carinho e dedicação por Debra, seja buscando seu café, ajudando-a em algum caso ou ameaçando seu namorado caso esse lhe faça algum mal. 

Essas atitudes mostram que sua irmã é uma das poucas pessoas com quem ele realmente se importa.

Debra, por outro lado, idolatra Dexter. O irmão gênio, como ela se refere a ele.

"You're the genius, Dex. I'm just a cop."

em tradução livre "você é o gênio, Dex. Eu sou apenas uma policial"

Debra vê nele a única constante estável em sua vida, sempre buscando seu apoio e aprovação, o que traz uma dinâmica interessante para sua relação.

O fato de Debra não ter consciência da verdadeira natureza de Dexter durante a primeira temporada intensifica essa dinâmica, criando um incômodo contraste entre o quanto ela confia nele e a realidade sombria que ele esconde.

O Conflito Entre Dexter e Brian Moser

Quando Brian Moser, vulgo Assassino do Caminhão de Gelo, é revelado como o irmão biológico de Dexter, a série explora um dilema moral complexo, adentrando um campo narrativo turvo e emocionalmente imprevisível.

Essa revelação não apenas conecta os dois personagens, mas também aprofunda a complexidade da narrativa, mostrando o quanto Dexter está entrelaçado com seu próprio passado sombrio.

Dexter vê em Brian uma versão alternativa de quem ele poderia ter se tornado. Enquanto Dexter foi criado sob o "Código de Harry", que o ensinou a canalizar seus impulsos assassinos de uma maneira controlada, Brian não teve a mesma sorte e abraçou completamente sua natureza assassina.

Em um ato de amor distorcido, Brian tenta convencer Dexter a deixar para trás sua "vida falsa" e se juntar a ele como um assassino, mostrando que, como irmãos biológicos, eles compartilham um laço inquebrável.

Ele está disposto a levar seu desejo às últimas consequências, chegando a sequestrar Debra e a sugerir que devem matá-la, para deixar o passado para trás e seguir adiante como uma família.

Dexter é forçado a escolher entre sua vida atual de falsidades e uma possível vida verdadeira, caso aceite sua natureza assassina.

A Escolha de Dexter

Esse momento cria uma tensão esmagadora, tanto em Dex quanto nos espectadores, que não sabem ao certo o que vai acontecer. 

Dexter está diante de um dilema: escolher entre seu irmão biológico, que compartilha de seus instintos assassinos, ou sua irmã adotiva, que representa a vida normal e a conexão emocional que ele, em teoria, não deveria ser capaz de sentir.

No entanto, a escolha de Dexter é clara, e a construção de sua personalidade e motivação até o momento a torna, de todas as formas, crível: ele escolhe Debra.

Confesso que fui surprendido pelo Finale da primeira temporada. Juro que acreditei que Dexter buscaria uma forma de ajudar Binney e manter Debra por perto- talvez esteja acostumado à narrativas simplórias ou finais felizes.

Que nada! A vida de Deb é mais importante que tudo e, assim, compreensivelmente, Dex mata Brian, rompendo o único laço biológico real que teve. 

Ao fazê-lo, Dexter rejeita a possibilidade de se render completamente à escuridão de sua alma e confirma seu compromisso em proteger Debra a qualquer custo. 

Isso não significa que ele rejeita sua própria natureza assassina, mas sim que ele coloca seu amor por Debra acima até mesmo de seus laços biológicos e de sua verdadeira identidade como assassino.

O Impacto Emocional

Esse ato não só define a complexidade moral de Dexter, mas também solidifica a relação dos irmãos. Ele está disposto a fazer qualquer sacrifício, inclusive matar alguém que poderia ser um espelho de si mesmo, para garantir a segurança dela. 

Para Debra, no entanto, a verdade sobre Dexter e seu passado ainda estão ocultos. Ela permanece alheia ao quão longe ele está disposto a ir por ela, o que cria uma tensão emocional crescente à medida que a série avança.

Essa decisão final revela a essência do personagem de Dexter: ele é alguém que vive entre dois mundos, as noites de assassinato e os dias de normalidade. 

E sua relação com Debra é o que mantém seu lado humano vivo, mesmo quando seu "passageiro sombrio" continua a ditar suas ações violentas.

Personagens Principais

Dexter tem ótimos personagens, com personalidade, visual e valores próprios. A jornada da Tenente Maria LaGuerta é, pessoalmente, recompensadora, indo de uma oficial acentuadamente focada em sua força política para uma companheira dedicada e sensível com seus colegas.

O sargento Doakes também é uma personagem interessante. Atormentado por seu passado nas Forças Especiais, desde os primeiros episódios ele já dá indícios de que desconfia de Dexter, o que só reforça sua habilidade como detetive.

Dexter Morgan (Michael C. Hall)

O protagonista, um assassino em série que segue um "Código de Conduta" que o ajuda a escolher e a matar apenas criminosos. Sua jornada moral e emocional é o coração da narrativa.

A dualidade de Dexter, que luta para controlar seu lado sombrio enquanto tenta manter uma vida "normal", é o que o torna magnetizante.

"I don't have feelings about anything, but if I could have feelings at all, I’d have them for Deb."

Dexter reflete sobre sua falta de emoções, mas revela o carinho especial que tem por sua irmã adotiva, Debra. Isso destaca a dualidade de seu caráter.

"I'm a very neat monster."

"Eu sou um monstro limpinho" essa frase captura perfeitamente o humor negro e a autoconsciência de Dexter sobre sua verdadeira natureza, ao mesmo tempo que destaca sua obsessão por controle e limpeza nas cenas de seus crimes.

Debra Morgan (Jennifer Carpenter)

A irmã adotiva de Dexter e detetive da polícia. Debra é determinada e impulsiva, e tem a boca mais suja de Miami. Cheia de vida, está sempre buscando resolver casos complexos enquanto se aproxima perigosamente da verdade sobre seu irmão.

Possui um arco narrativo importante e que está ligado diretamente à trama principal. É deliciosamente perverso ver sua relação desenvolver-se com o assassino que está buscando.

Para mim, é uma das personagens mais sofridas do show, sendo incapaz de encontrar alguém em quem confiar ou para amar. 

"You're the only constant thing in my life, Dex. You're my fucking rock."

Debra expressa a dependência emocional que tem em relação a Dexter, destacando o quanto ela o valoriza, sem ter noção de sua verdadeira natureza.

Rita Bennett (Julie Benz)

A namorada de Dexter, Rita é uma mulher traumatizada por conta de seu relacionamento abusivo com seu ex, Paul. Na primeira temporada, sua presença é meramente contextual, apenas para o final da temporada que ganha destaque.

É a companhia perfeita para Dex, que busca apenas momentos de distração e uma fachada. Seu arco narrativo é ligado à família e superação, explorando o lado sensível da série.

Harry Morgan (James Remar)

O pai adotivo de Dexter, que percebeu sua tendência para a violência e o ensinou a canalizá-la através de um "código" moral". É o "criador" de Dexter. Como pai e policial, Harry enfrenta um grande dilema em relação a Dex.

Seu filho é um potencial criminoso, no entanto, ele o ama e quer protegê-lo. Assim, surge o Código de Harry.

Sua ligação com Dexter é bastante profunda e o show a explora com maestria através de lembranças em momentos-chave dentro da narrativa. Seu passado é tão obscuro quanto o do próprio Dexter.

"Remember this forever: you are my son. You are not alone, and you are loved."

Em um dos flashbacks, Harry tenta passar uma sensação de normalidade e amor a Dexter, mesmo sabendo de suas tendências sombrias. A relação entre eles é n

Brian Moser (Christian Camargo)

O Assassino do Caminhão de Gelo e irmão biológico de Dexter. Seu personagem é um dos vilões mais interessantes no show. Um espelho distorcido de quem Dexter poderia se tornar caso não tivesse sido criado por Harry.

Sua apresentação na série contribui para que nos aproximemos de seu personagem, mas, diferente de Dex, ele não consegue cativar nossos corações totalmente.

Isso é devido a seus assassinatos hediondos e a forma vilanesca como é apresentado, e também por carecer de um background robusto para humanizá-lo, apenas um episódio foi dedicado para explicar seu passado e sua relação com Dex.

Entretanto, fiquei verdadeiramente abalado com seu trágico final. Sua história é triste e ele só desejava reunir-se com seu irmão. Todavia, sua alma estava corrompida e, até onde foi mostrado, além da salvação.

"I embrace who I am. I’m not a monster. I’m just ahead of the curve."

Brian Moser, o ITK, desafia a visão de Dexter sobre sua própria natureza, demonstrando as disparidades em como ambos lidam com seus instintos assassinos.

Conclusão

O segredo de Dexter está em sua habilidade de nos fazer gostar de um assassino, enquanto entrega um show de extrema qualidade narrativa e emocional. Com uma atuação brilhante, um roteiro afiado e personagens profundamente complexos, a primeira temporada da série é louvável.

Ao final da primeira temporada, o público se vê torcendo por Dexter – um assassino que, de alguma forma, ganhou nosso respeito e, até, nossa simpatia. 

E essa é a verdadeira genialidade da série: fazer com que gostemos de alguém que, em qualquer outra história, seria o vilão, revelando-nos que o mundo é muito mais complexo do que acreditamos ou do que gostaríamos que fosse.

E aí, já assistiu a primeira temporada de Dexter? O que achou da forma como o show retratou o assassino? Compartilhe suas impressões nos comentários.

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